terça-feira, 30 de março de 2010

CONTOS DE MINHA TERRA - Nº 1

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Por Ednaldo Rodrigues
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Ao conversar com um ouvinte através do rádio, certo dia disse que, grande maioria das pessoas que residem em nossa cidade veio do interior do município de Santarém. Ele ficou admirado sem saber o que dizer. Apesar da informação subjetiva não deixa de ser verdadeira.

Eu, por exemplo, venho da humilde Santa Inês do Ituqui, comunidade que segundo a lenda, em um passado distante, foi um aconchegante principado. Trouxe comigo o sonho de estudar e de ser escritor. Esse projeto de vida surgiu aos oito anos de idade, em uma tarde de verão, na Ilha da Conceição onde morava com minha família. Admirava a rotina de meu pai. Um exímio leitor de literatura de cordel, que muitas vezes passava os finais de semana lendo sem parar.

Projetei em minha memória construir uma casa de baixo de uma linda árvore, que se projetava frondosa próximo de nossa casa simples, coberta e cercada com palha branca. As portas feitas de japás de palha preta, encontrada nas matas do Igarapé Açu, comunidade no planalto do Ituqui.

Pensei em construir uma casa feita de madeira, de baixo da sombra dos galhos da cinqüentenária cachingubeira. Na casa de meus sonhos escreveria estórias sobre a Garça Grande, A Lenda do Remanso, A Terrível Piraíba, A Cobra Grande do Lago do Aiaiá e tantas outras que povoavam minha cabeça de menino inocente.

De baixo daquela árvore eu assistia as águas do rio Paraná a passarem ligeiras. Os pescadores deslizando em direção aos lagos da localidade de Santíssimo ou do Tachi, duas bacias gigantescas de águas infindas. Era um local de passagem das comunidades de São Benedito, Conceição, Santana e tantas outras que fazem parte da região do Ituqui.

De baixo daquela árvore eu via as meninas e os meninos de minha época passarem para estudar na escola Santa Inês, que funcionava com turmas multiseriadas. O maior grau que atingiam era a quarta série. Com isso, muitos se tornavam professores. Eu não queria muito. Queria apenas aprender a escrever e discorrer minhas estórias.

O tempo passou e em 1977 minha mãe, uma das maiores juticultoras que o baixo Amazonas já conheceu, resolveu matricular os filhos e as filhas para estudarem na cidade. Os vizinhos da comunidade acharam um absurdo, pois não havia condições para isso, pois a minha família era uma das mais humildes do lugar.

Quando chegamos em Santarém tudo era muito interessante. À noite havia luz com abundância para ler os livros. O mesmo não acontecia no interior. O máximo que havia eram as lamparinas de morrão alimentados por querosene, o que deixava a vista das pessoas extremamente ardida e provocava irritação nos olhos de quem se atrevia à leitura noturna.

Eu não compreendia porque os meninos da Vila Arigó, primeiro bairro onde morei ao chegar à cidade, reuniam-se regularmente pelas esquinas, em vez de ler seus livros em suas casas e aproveitar a luz havia, mesmo que houvesse os constantes apagões, mas para quem veio do interior onde só havia lamparina como suporte de iluminação à noite, ver uma lâmpada acesa era um sonho. Eu também não entendia porque os meninos da época perdiam tanto tempo empinando papagaios e jogando peteca.

Ao chegar em Santarém me sentia diante de uma cidade enorme e que precisava de alguém para organizá-la. Um sentimento pretensioso, mas altruísta. Não perdi tempo com os papagaios e nem com os jogos de peteca. Refugiei-me na igreja por vir de uma família tradicionalmente religiosa. Na igreja conheci pessoas interessantes, que me levaram a um caminho, que ao lado da literatura sempre foram as minhas paixões: a comunicação e a cultura.

No final dos anos de 1970 a cidade de Santarém passou por um processo de transformação importante na área da comunicação. A cidade contava com a experiência comprovada do jornal impresso e do rádio. Em 1979 chegou a televisão e isso representava um avanço espetacular que muito viria a contribuir com o desenvolvimento cultural do município e da região.

Foi nesse período que minha família resolveu se mudar do interior para a cidade. Em 1978, a televisão já exibia os tapes dos jogos da Copa da Argentina, em preto e branco. Recordo que no interior, ouvir os jogos através do rádio era um luxo. Jamais se sonhava assistir aos jogos. Ver os jogadores. A mudança foi muito rápida e a chegada da televisão veio para mudar a rotina da sociedade.

Em Santarém poucas pessoas tinham o aparelho de televisão. Era comum a criançada assistir aos programas das janelas dos vizinhos. Ainda recordo os primeiros programas da época: Os Trabalhões, O Super Bronco, O Sítio do Pica-pau Amarelo e as primeiras novelas: Cabocla, Feijão Maravilha e Pai Herói.

A geração dos 40 anos de idade de hoje eram os meninos e meninas dos anos de 1970. Muitos já sonhavam com uma sociedade melhor. Outros não sabiam o que era sonhar. Outros levaram muito a sério as suas carreiras, seus estudos e dentro de pouco tempo a vida mudou. Alguns para melhor e outros nem tanto.

Ao olhar para traz, a comunidade de Santa Inês não é mais a mesma e nem poderia, pois assim como a vida tudo muda a cada instante. Vejo que a velha choupana de palha ruiu e a árvore frondosa o tempo levou; parte da Ilha da Conceição foi encolhida pelo rio e alguns conterrâneos de meus pais foram chamados ao convívio de Deus. Permaneceram, então, os sonhos de menino inocente com os quais escrevi mais de setecentos poemas e estórias como: A Garça Grande, A Lenda do Remanso, A Terrível Paraíba, A Cobra Grande do Lago do Aiaiá e tantos outros que não consigo recordar. A produção de todos os meus rascunhos foram em outras plagas, mas com a inspiração e sonhos do mesmo lugar.

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