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Por Ednaldo Rodrigies
Idalina Antônia de Jesus nasceu em 20 de dezembro de 1906, na comunidade de Redenção, próximo da Vila de Alter do Chão, em Santarém-Pará e morreu domingo (7/11/2010), na vila balneária de Ponta de Pedras. Em dezembro próximo completaria 104 anos de idade.
Em 2006 em uma conversa descontraída com Idalina de Jesus, conhecemos uma mulher simples, gentil e que não dava muita importância para a história que representava a Ponta de Pedras ao completar cem anos de vida.
Ela não esqueceu das dificuldades que enfrentou em diversos momentos importantes da história como: a Cabanagem, duas guerras mundiais, Depressão de 1929 e Ditadura Militar em 1964.
Para sobreviver ela e seus familiares trabalharam na coleta de cumaru e jutaicica. Extrairam leite de seringa e enfrentaram o desafio de se alimentar dos raros produtos colhidos da natureza, em tempos escassos.
Recordava que o meio de transporte para Santarém era conoa à vela, com 10 horas de viagem. Esse meio de transporte foi utilizado nesse trecho até 1951, quando foi aberta a estrada para a passagem de carros, hoje denominada Rodovia Everaldo Martins.
Idalina era filha de Manuel Antônio de Sousa e Virgulina de Jesus. Dona Dadá, como ficou conhecida em toda a região do Eixo Forte, era esposa de Alcides Pedroso Garcia com quem teve cinco filhos. Tinha 22 netos, 52 bisnetos e 10 tataranetos. Por isso, éra considerada matriarca da família Pedroso. A árvore genealógica dessa família já se mantém na região por mais de dois séculos.
O segredo para uma longa vida
Idalina viveu de forma simples, trabalhando na roça com o plantio de cana, banana, mandioca e fazendo coleta de drogas do sertão. Não esquecia da vida divertida e uma de suas maiores paixões, a dança: Valsa, Puladinha, Entrudo e Carnaval, cujos bailes aconteciam na Sede do Luso Brasil, em Alter do chão e na casa de amigos.
Lembrava-se de pedaços da história que viveu. Falava satisfeita e feliz como se fosse uma criança. Sentia saudade de muitos momentos. Das danças e dos puxiruns: “as pessoas se reuniam para trabalhar na propriedade de um morador da comunidade, em seguida o mesmo trabalho se repetia no terreno de cada um dos trabalhadores que participavam daquele puxirum”, recordava Idalina.
Muitas vezes esses eventos reuniam até 80 trabalhadores – Idalina lembra que durante o trabalho era uma festa, havia muita comida e bebida. Geralmente os homens ficavam porre de tanto beber Tarubá.
A divisão do trabalho era conhecida por todos: as mulheres derrubavam as árvores menores e o mato fino. Os homens, seguiam atrás, derrubando as grandes árvores.
A alimentação de Idalina também era muito simples com base no tradicional assado e o cozido, tendo como base o peixe: o charutinho - carne de tatu, de cotia e de caititu, caças encontradas nas matas do Eixo Forte naquela época.
Idalina de Jesus sempre morou no Sítio Redenção, uma localidade que se situava entre a comunidade de Caranazal e a Vila de Alter do Chão, um local tranqüilo e pacato.
O Sairé naquela época
A história também registra que o Sairé acontece na Vila de Alter do Chão há mais de três séculos, mas segundo Idalina o evento nem sempre ocorreu com regularidade.
Ela conta que nessa nova versão teve o privilégio de participar do primeiro Sairé. Revelou que durante muitos anos dançou o Corimbó, Lundum, Marambiré e a Desfeiteira.
Embora demonstrasse cansaço, os lapsos da memória ainda registravam muitas lembranças. Tentava cantar alguma música da época, mas não conseguia se lembrar da letra e da melodia.
De tanto insistir, consegiu lembrar de dois versos da Desfeiteira: “...Atirei com limão verde por cima do lampião, deu no padre, deu na pia, deu na moça que eu queria... e....rá..rá..rá...”. Sorriu e disse outro verso: ...”Tirei meu coração e o deixei em cima da calçada, você não fez nada, só me fez apaixonada.... e....rá..rá..rá..”. Sorri novamente.
As lembranças
A lembrança do passado levou Idalina as tardes de dezembro de 1920. Essa data a fez lembrar de muitas emoções que viveu quando jovem. De vez em quando, as lagrimas escorriam pelo rosto.
Lembrava da mãe dela e recordava que às 17h, a rotina da família era tomar banho, cuidar da casa e fazer comida para o jantar. O Natal também trazia grandes recordações. A tradição da família era rezar na Igreja Nossa Senhora da Saúde, no barracão do Sairé.
Até os últimos dias de vida, Idalina, morou em Ponta de Pedras entre os familiares. Morava em casa própria na companhia das filhas Irinéia Lobato e Justina.
A matriarca dos Pedroso, além das dificuldades peculiares de quem viveu em locais isolados da Amazônia, passou por momentos de grandes desafios. Em sua distante recordação destacou seis momentos conturbados da história que provocaram profundos reflexos em todos os lugares, inclusive no pacato Sítio Redenção.
Destacou o final do movimento da Cabanagem, a Primeira e a Segunda Guerras Mundial, a Depressão de 1929, a Revolta de Jacareacanga e a Ditadura Militar.
A matriarca dos Pedroso sempre viveu na Vila de Alter do Chão, mas com o tempo os filhos e netos se mudaram para a comunidade de Ponta de Pedras. O local foi transformando em um concentrado de pessoas da mesma família. O lugar ficou aprazível, tranqüilo e aconchegante para o dia-a-dia de uma pessoa com 103 anos de idade.
Mesmo com tantas vantagens Idalina resistiu a mudança, mas há doze anos, por insistência da família passou a morar na comunidade de Ponta de Pedras e depois de algum tempo já está adaptada novamente.
Aos 103 anos de idade, os parentes afirmam que ainda estava em plena atividade e não deixava dos afazeres domésticos como lavar pratos e arrumar a cama. Tomava banho sozinha, no banheiro ou na praia.
Sossego e paz a alma de Idalina de Jesus e conforto aos seus familiares.