quarta-feira, 4 de agosto de 2010

O mito parou de falar no rádio


Por Ednaldo Rodrigues - 3/8/2010

Esta notícia jamais gostaria de relatar. Em 27 anos de trabalho voltado aos meios de comunicação na Amazônia, desde os primeiros anos de vida na comunidade de Santa Inês do Ituqui, ainda criança já ouvia um dos maiores ícones do Rádio Brasileiro, o inconfundível e inimitável Edinaldo Mota. Em mais quatro décadas ninguém fez rádio com tanta maestria, talento, criatividade, versatilidade, dinamismo e sabedoria.
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No final da programação de abertura da 33ª Exposição Feira Agroindustrial do Baixo Amazonas tive a grata satisfação de me encontrar e conversar com o meu Xará Ednaldo Mota, acompanhado de sua filha Elmara.

De repente Edinaldo disse-me: “vou te dar uma notícia de primeira mão - Eu não volto mais p’ro rádio”. Como os milhares de ouvintes do Edinaldo Mota sabem, ele foi acometido de um Acidente Cardiovascular, conhecido como AVC, que atingiu as cordas vocais dele.

Confesso que tive dois sentimentos antagônicos: o primeiro fiquei feliz em ver o Edinaldo Mota recuperado e disposto, inclusive assumindo suas funções de Vice-prefeito da aconchegante Belterra. Depois fiquei triste pelas seqüelas deixadas pelo AVC, impedindo definitivamente o retorno de Edinaldo Mota ao rádio.

Antes do AVC, Edinaldo Mota, carinhosamente chamado “Dinossauro do rádio santareno”, com o seu jeito moleque de comunicar era titular absoluto do programa “Bom dia Alto Astral”, que ia ao ar de segunda a sexta-feira, das 6h às 7h, pela Rádio Guarany FM, em Santarém.

Somando o tempo de trabalho nas rádios Rural AM e Guarany FM são 43 anos de dedicação ao rádio, ininterruptamente. Parou em decorrência das seqüelas nas cordas vocais, mas não pode reclamar jamais da falta de sucesso. Sempre foi um dos locutores mais queridos tanto pelos ouvintes como pelos patrocinadores.

A lenda que fez o rádio mágico

Ednaldo Rodrigues
Oti Santos
Minael Andrade


Em 1961, Edinaldo Mota morava em frente ao prédio da Rádio Clube de Santarém, na Travessa dos Mártires. Ainda não havia descoberto a sua paixão pela profissão. Como os radialistas da época tinham como primeira exigência estudar no Colégio Dom Amando, ficou animado para fazer um teste. Atravessou a rua e imediatamente o mandaram entrar para ser submetido à avaliação. Recebeu uma planilha com vários textos e acessou o estúdio. No pátio da emissora, em um muro baixo, apelidado de “pau da garça”, estavam sentados Osmar Simões e Rostan Malheiros, técnico e diretor da emissora, respectivamente. Ao sair da rádio para a rua, Osmar Simões, posicionado de costas, fazendo gestos e seguindo para o estúdio, disse com uma voz bastante grave, típica do radialista: “agora vocês vão ouvir um homem falar‟. Edinaldo conta que depois de ouvir o comentário de Osmar Simões jamais foi saber do resultado do teste.

Os anos se passaram e já estudava em Santarém há muito tempo quando teve oportunidade de trabalhar no rádio. O início das atividades do radialista Edinaldo Mota na Rádio Rural se deu após ter participado de um concurso entre setenta e cinco candidatos. O teste era feito na Casa Cristo Rei. Os candidatos sentavam-se formando uma pequena platéia e cada um fazia o seu teste diante dos outros concorrentes. O teste consistia na leitura de um texto de publicidade, um texto do programa “Correspondente Rural” e outro de aniversário, do programa “Parada Social”. A direção era do radialista Ércio Bemerguy, que pedia aos candidatos que fizessem alguma animação de improviso.

Edinaldo Mota que já acumulava experiência vivida em Belterra, em palcos, casa paroquial e nos clubes decidiu fazer uma apresentação bem descontraída, com alguma pitada de humor, e a sua performance o destacou. Entre os concorrentes estavam J. Nogueira e Edmar Rosas, os dois portadores das mais belas vozes do rádio santareno.

Poucos dias após o concurso, os três foram colocados no estúdio da Rádio Rural para fazer locução de programas. Ércio Bemerguy convidou Edinaldo Mota para participar do programa de auditório E-29 Show, por meio do qual o “dinossauro do rádio” garantiu o seu lugar na Rádio Rural.

O primeiro programa do Edinaldo na Rural foi “Trenzinho do sucesso‟, uma vez por semana, com meia hora de duração, das 10h30 às 11h. Edinaldo Mota fez um programa diferente para fugir do tradicional, na tentativa de criar a sua própria marca, de maneira espontânea, de acordo com sua personalidade. Na época recebeu o incentivo e o apoio do radialista Eduardo Ferreira (em Santarém) ou Eduardo Costa (Parintins). „Eu me inspirei em parte nas loucuras que ele fazia no estúdio. Eduardo Ferreira chegou até soltar fogos dentro do estúdio. Era muito louco‟, afirma Edinaldo.

O novo jeito de fazer rádio fugia do tradicional, da voz gutural e rebuscada de Osmar Simões, recheadas de “erres‟ e “esses‟, talvez herdados de sua origem portuguesa. Outro radialista com o mesmo perfil era João Silvio Gonçalves.

No reencontro de Edinaldo Mota com Osmar Simões na Rádio Rural, mesmo com o talento que Edinaldo havia comprovado, ele sempre perguntava: “onde está aquele caboclinho de Belterra; ou, “onde está aquele negrinho de Belterra‟. Edinaldo Mota, depois de muito tempo, descobriu que não passava de um jeito carinhoso de Osmar Simões tratá-lo por ser um novato, apesar dos seus vinte e seis anos de idade. Relata que Osmar Simões era uma pessoa séria, mesmo quando contava anedotas.

Edinaldo Mota construiu com Osmar Simões uma grande amizade, que lhe deu chance de conhecer um homem com muitas virtudes. Lamenta que “o pai do rádio santareno” esteja caindo no esquecimento, pelo que representou para a cidade de Santarém. Osmar veio de Belém, onde já era radialista da Rádio Clube do Pará e participava do cest, no rádio-teatro.

Osmar Simões passou a admirar o apresentador a partir do E-29 Show pelo seu talento, o seu jeito brincalhão. Edinaldo fazia dupla com Ércio Bemerguy, homem muito austero, mas que de vez em quando entrava na brincadeira: “em uma bela oportunidade apareceu no Cristo Rei uma luz estroboscópica. Eu e o Ércio Bermerguy terminamos de apresentar ao show com perucas louras, vestidos como jovens”, recorda Mota.

Com o tempo Edinaldo Mota criou seu próprio estilo, caracterizado pela comunicação fácil, usual, do dia a dia da sociedade. Ao utilizar a experiência do alto-falante em Belterra, adquiriu habilidade de falar algo que não está escrito: “eu gosto de relatar um fato que a vaidade dos mais jovens não permite: enquanto tocava a música eu escrevia o que eu ia dizer no intervalo”, afirma Mota.

O radialista desenvolveu tanto essa habilidade que no programa Música e Saudade não somente escrevia o que iria dizer no intervalo, como as frases terminavam com o título da música que iria rodar. Não se sabe quem utilizou primeiro esse artifício, se foi Edinaldo Mota ou Emir Bemerguy, um líder em audiência, no final dos anos de 1960, com o programa Poemas e Canções.

O “Papo Informal‟ foi um programa de grande audiência, que ficou no ar por mais de duas décadas. O nome surgiu em decorrência da falta de tempo do radialista. Edinaldo Mota sempre teve mais de uma atividade e o programa era uma saída para que não se comprometesse com uma seqüência, um estilo. Ele chegava ao rádio e dizia o que queria. Dessa forma passou a trabalhar como radialista, a partir do início de sua carreira, ininterruptamente.

O radialista afirma que um comunicador dificilmente passa despercebido pela audiência, quando cria um estilo próprio. Alguém vai gostar. Ele registra os programas históricos, tais como: “A nossa serenata‟, com Eriberto Santos; “Alvorada Rural‟, com Gerson Gregório; “Sinval Ferreira Atende‟, com Sinval Ferreira. Esses programas acabaram ou acabarão na medida em que os seus apresentadores foram substituídos.

A facilidade de improviso cresceu tanto que tirou Edinaldo Mota do rádio AM para trabalhar na Gruarany FM, embora contra a vontade dos mais jovens da família que lideravam a empresa. Eles entendiam que um locutor de AM iria modificar o estilo da FM, que naquela altura deveria ser utilizada apenas para tocar música.

Quando ainda estava na Rádio Rural, a pedido da empresa, viajou para várias cidades brasileiras para observar como as emissoras estavam reagindo à chegada da televisão, já em vias de ser instalada em Santarém. A turnê passou por Belém, São Luiz, Fortaleza, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Manaus. Em cada uma das cidades Edinaldo Mota visitou três emissoras de rádio: a mais ouvida, uma intermediária e a de menor audiência. A direção da Rádio Rural entendia que se não pudesse ser a melhor, poderia evitar ser prior.

Durante a viagem, Edinaldo Mota observou que as emissoras FMs estavam mudando a sua grade, fazendo um rádio “aemezado‟. Depois de algum tempo o estilo se tornou comum. Em Santarém, Edinaldo Mota foi o introdutor desse estilo e se manteve sempre com muita audiência. Mas não é verdade que a FM “aemezou‟ em todo o Brasil. O que ocorreu foi a segmentação da grade de programação de acordo com o determinado pelas pesquisas, pelo público e suas preferências, tanto em estilo, quanto em seleção musical. Tudo isso determinado pelo mercado, afirma o radialista.

Edinaldo Mota analisou a trajetória dos sessenta anos de rádio em Santarém e constatou que a atual realidade está muito distante em relação ao início, com a Rádio Clube de Santarém. Quando a Rádio Rural entrou no ar já detinha uma eficiente organização administrativa e tinha por trás a Igreja Católica, uma instituição forte e consolidada. Era, portanto, uma potência, mas tinha dificuldades para montar uma boa programação. A Clube já estava funcionando há anos, mas não havia uma liderança capaz de organizar a emissora, embora a programação fosse bem melhor, devido o jogo de cintura de seus apresentadores, como João Silvio Gonçalves, que certamente ouvia a programação das emissoras de fora, e em Santarém procurava fazer o mesmo.

Ao iniciar suas atividades, em 1967, o sistema da Rádio Rural era o trabalho em dupla. O locutor que fazia o primeiro horário, no segundo se tornava operador e vice-versa. Edinaldo confessa que não conseguiu aprender a lidar com a “consuleta‟ como era chamada a mesa com válvulas e botões grandes e pequenos. A situação piorou com o advento do computador nas emissoras.

Hoje os apresentadores manipulam todo o sistema de operação com uma habilidade incrível, graças ao computador, algo impossível no passado. Para atender uma música na hora, era necessário movimentar parte do quadro da emissora para encontrar os discos que não estavam programados. Atualmente o trabalho no rádio pode ser executado com uma facilidade impressionante, sem citar o acesso às informações de outros locais. Em 1948, o mundo era vasto e distante, mas sessenta anos depois a tecnologia o colocou no interior das casas, acessível através da internet.

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